Não tenho paciência com gente que deseja parecer superior
intelectualmente, esconde-se atrás de termos complexos e longos
parágrafos, mas que, de fato, não apresenta originalidade alguma. Também
não gosto de “muito barulho por nada”, como quando José Guilherme
Merquior quis corrigir os intelectuais brasileiros sobre os termos que
seriam corretos associados ao pensador Michel Foucault:
“(...)
este antipanegírico de Foucault nasceu de uma constatação irritante: a
de que, na maioria esmagadora dos casos, a tribo foucaldiana (entre nós,
barbaramente autodesignada como ‘foucaultiana’) tem o hábito de ignorar
sistematicamente o volume e a qualidade das críticas feitas às proezas
histórico-filosóficas de seu ídolo.” (José Guilherme Merquior, Michel
Foucault ou o Niilismo de Cátedra, p. 9)
Apesar da explicação
(típica) de José Guilherme Merquior, prefiro utilizar o termo
“foucaultiano” nos meus textos opinativos. Não seria para implicar com
Merquior, aliás, sempre li os livros dos pensadores brasileiros de
direita (como Paulo Francis, Nelson Rodriguez, entre outros). Não
concordo com suas teses. No entanto, isso não seria suficiente para
impedir qualquer tipo de leitura.
Eu não sou “foucaultiano”. Ele
aparece bastante nas citações dos textos opinativos por um motivo óbvio:
são textos que tratam do cotidiano e os marxistas (por exemplo) nunca
se preocuparam em discutir objetos como sexualidade, loucura ou
presídio.
Dito isso, eis a problemática de hoje: o que fazer quando a
profissão que escolheu – e após décadas – parece não lhe dar mais
prazer? Penso aqui no tipo de indivíduo que acredita que o seu trabalho
contribui também para a sociedade (e, portanto, não trabalharia só por
dinheiro).
Michel Foucault, após trabalhar (décadas) como professor e
ter ficado conhecido como uma dos principais intelectuais do mundo por
causa das publicações de seus livros, pensou seriamente em abandonar
tudo e começar com outra profissão:
“Foi na época em que queria
sair do Collège de France. ‘Uma coisa é certa, não vou recomeçar o meu
curso no ano que vem,’ diz no início de 1984 a Pierre Bourdieu (...)
Foucault falava também, várias vezes, em parar de escrever. (...)
Foucault acha que o preço a pagar pela ‘glória’ é alto demais. Porém o
que pode fazer? Como mudar de vida quando se tem quase sessenta anos?
Ele pensa no jornalismo. Gostaria de escreve crônicas sobre
geopolítica.” (Didier Eribon, Michel Foucault – Uma Biografia, p. 301)
Dar aulas pode tornar-se repetitivo. Faltam, algumas vezes, desafios.
Agora escrever deveria ser um prazer. Foucault não pensava assim. A fama
e ‘glória’ podem ser, pelo seu discurso, cansativas.
“(...) ‘a
gente começa a escrever por acaso e continua pela força circunstâncias.’
Repete que escrever não é uma atividade que realmente ele escolheu.”
(Didier Eribon, Michel Foucault – Uma Biografia, p. 301)
Michel Foucault não realizou os seus desejos porque faleceu em 1984.
Um outro autor (mais importante do que Foucault) que viveu em uma época
diferente: Karl Marx. Foucault vinha de uma família rica, Marx não.
Foucault queria mudar de profissão, Marx não. De fato, apesar de ser
nietzscheano, Foucault admitia que as leituras das obras de Freud, Marx e
Nietzsche foram fundamentais na sua carreira.
Marx, na velhice,
“sentia-se menos capaz das campanhas ativas de sua juventude e anos
intermediários; o excesso de trabalho e a pobreza tinham-lhe minado a
resistência; vivia cansado, com frequência enfermo, e começou a
preocupar-se com a saúde.” (Isaiah Berlin, Karl Marx, p. 246) Além
disto:
“A impaciência e irritabilidade aumentaram com a velhice e
ele tomou cuidado para evitar a companhia de pessoas que o aborreciam e
a quem desagradava com suas opiniões. Tornou-se mais difícil no
relacionamento pessoal.” (Isaiah Berlin, Karl Marx, p. 246)
Provavelmente os exemplos citados (principalmente no caso de Marx) não
serviram muito para responder o que seria a problemática central deste
texto. Contudo, as ideias aqui apresentadas podem servir como reflexão
no sentido do que fazer e como se comportar quando a crise da meia idade
deixa de ser só um conceito (distante) e torna-se uma realidade.
© profelipe ™ 30-09-2015