Algumas pessoas gostam de afirmar que não lidam com o próprio passado porque “não vivem mais lá.” Trata-se de uma ilusão.
Não
existe como fugir do passado, nem tentar “apagar”
as experiências negativas da memória. As marcas (do passado) aparecem no corpo
da pessoa e em seus sonhos. Basta lembrar do conceito de inconsciente de Freud.
Stalin, o ditador da ex-União Soviética, foi um
exemplo (bem antes do photoshop) de quem tentou “retocar” o passado de acordo
com os seus interesses. Numa foto original da Revolução Russa, Trotsky aparecia
ao lado de Lênin, (que fazia um discurso).
Ao chegar ao poder e expulsar Trotsky do país (e
depois mandar assassiná-lo no México), Stalin mandou “retocar” a foto original
que havia se transformado em um importante documento da revolução. Neste
processo, claro, Trotsky desapareceu da foto ao lado do Lênin num importante
momento da história russa.
O cantor Roberto
Carlos, aqui no Brasil, deveria lembrar disto quando tentou censurar as
biografias dos pesquisadores (quando conseguiu o apoio, inclusive, de músicos
censurados na ditadura militar, como Caetano
Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque).
Quando a apresentadora Xuxa deu entrevista afirmando que havia sido abusada na infância,
muitos falaram que ela só queria chamar a atenção. Molestar crianças, quase
todos sabem, significa criar adultos problemáticos (e até doentes). Portanto, esse
não seria um tema adequado para piadas e ironias.
Ontem, no congresso, ao apoiar a chamada “Lei da
Palmada”, que visa punir os agressores de crianças e adolescentes, Xuxa foi
criticada por um parlamentar:
“(...) o deputado Pastor Eurico hostilizou a apresentadora e disse
que sua presença era ‘um desrespeito às famílias do Brasil’. ‘A conhecida
Rainha dos Baixinhos, que no ano de 82 provocou a maior violência contra as
crianças’, disse, referindo-se ao filme Amor Estranho Amor, daquele ano, em que
Xuxa aparece numa cena de sexo com um adolescente de 12 anos.”*
A
apresentadora deu uma resposta diplomática (com um gesto em forma de coração).
O problema é que, como Roberto Carlos, Xuxa quis proibir cenas do seu passado
porque, na sua opinião, elas comprometeriam a sua imagem pública. Ela quis
censurar tudo que dizia respeito ao filme de 1982. Não conseguiu e teve que enfrentar
a polêmica no congresso ontem. (Não cabe
aqui, neste momento, discutir se o conteúdo do filme era ou não adequado,
afinal, deveria ser considerado o contexto histórico em que o filme foi feito,
entre outras coisas.)
A questão
central é que não deve existir censurar. Quanto ao passado, cada um deve
lidar com seus próprios fantasmas (com a ajuda ou não de psicoterapia). No que
diz respeito ao espaço público, as ditas celebridades gostam de se expor e
esquecem que isso gera consequências, intrigas, fofocas e ainda reforçam as
lendas em torno delas, o que garantiria mais fama. Talvez esse seja o preço.
Elas deveriam lembrar, como todo cidadão comum, que fofocas no espaço público
são só isso: fofocas. Não são verdades. É necessária muita insegurança para
sair por aí desafiando todos que ousam falar ou inventar algo a nosso respeito.
Melhor do que isso, como no caso “clássico” do Roberto Carlos, seria tratar das
neuroses no lugar adequado, ou seja, num divã de um psicanalista.
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