domingo, 31 de maio de 2015

"ANGEL OF MERCY"

Quando se fala em terapia, a primeira que surge na cabeça de qualquer pessoa é a freudiana, aquela que usa a palavra como meio de cura. Quando tratou de temas associados à depressão e à ansiedade, os jornalistas da revista “Isto É” deram destaque a terapia cognitivo-comportamental:
“O objetivo é ajudar o paciente a identificar pensamentos que estejam associados ao aparecimento de sintomas, encontrar formas de neutralizá-los ou de transformá-los e mudar os comportamentos que normalmente estão a ele vinculados. Na prática, significa, por exemplo, auxiliar um paciente a dar nova avaliação a uma situação que considera ameaçadora.”*
Existem outras formas de terapia, claro. Uma que chama a atenção é a terapia em grupo. Muitas vezes, nesses grupos, o anonimato é importante por causa do preconceito da sociedade. AA (Alcoólicos Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos) podem servir de exemplos. No filme “Clube da Luta”, aparecem outros tipos de grupos (câncer nos testículos, entre outros). A séria crise (mental) do personagem principal o leva a frequentar tais grupos.
Crise é também a palavra-chave na matéria da revista “Isto É”, só que aqui seria a crise econômica da sociedade “produzindo” as crises pessoais associadas à depressão e à ansiedade.
Num dos episódios de “Criminal Minds”, o “serial killer” encontra suas vítimas nestes grupos de terapia (álcool, drogas, depressão ou divórcio). Como ele acredita ser um “angel of mercy” (“anjo da piedade”), ele procura pessoas com grande sofrimento mas que seriam incapazes de cometer o suicídio. Ele realizaria “o desejo dessas pessoas”.
Existem enfermeiros e médicos que se colocam na condição de “angel of mercy”. Eles acreditam que podem decidir se um paciente deve ou não morrer. Corretos ou não (em suas ações), são considerados assassinos do ponto de vista jurídico.
Em tudo isso, a questão é que existe um problema e uma tentativa de cura (algum tipo de terapia, por exemplo). O foco – e isso tem a ver com a ideologia capitalista – fica sobre o indivíduo (álcool, drogas, depressão, ansiedade e assim por diante) e não sobre a sociedade.
Isso não só facilita o domínio de uma minoria sobre a maioria – o que acontece na prática – mas também cria a sensação de que “não foi comigo” e sim com aquele indivíduo (como se algumas pessoas fossem alvos e outras não – o que, de fato, seria uma ilusão).
Por outro lado, existe outro tipo de pensamento: assim como a morte é uma certeza e acontece com cada indivíduo, “a crise” ocorreria também. Seria só uma questão de tempo. Não haveria saída exceto aproveitar ao máximo o tempo em que a pessoa seria aceita por todos na sociedade.
Alienação? Ideologia? Mediação?
Na verdade, cada um, com ou sem terapia, escolhe uma maneira para lidar com os dilemas da vida.

© profelipe ™

(*) Cilene Pereira e Fabíola Perez. A crise mexe com a cabeça do brasileiro. Isto É, 24 de Abril de 2015. http://www.istoe.com.br/…/415311_A+CRISE+MEXE+COM+A+CABECA+…

quinta-feira, 21 de maio de 2015

REBELDIA EM 2015?

"Slip Kid" foi uma música feita pelo The Who. Foi lançada na década de 1970. Tratava de temas comuns no rock: a rebeldia e a oposição entre o novo e o velho. Roger Daltrey, em 1976, cantava:

 “Leve-me para a estação. Sim, eu estou indo para a guerra civil.
(...) Você [velho] e a sua história não vão me governar

Você poderia ter sido um lutador, mas admitiu que falhou”*

Sobre tocar a música na atual tour do grupo, o guitarrista Pete Townshend (70 anos) afirmou não via problema na medida em que achava que a canção ainda parecia atual:

“Você poderia colocá-la na voz de algum jovem estudante islâmico que decide ir lutar na Síria e termina no Estado Islâmico sendo forçado a cortar a cabeça das pessoas.”**

Será que seria essa a imagem do rebelde em 2015? Sobrou só isso? Não existem mais mobilizações e movimentos da juventude?

Não seria justo comparar 2015 e 1968. No entanto, não é animador perceber o egoísmo e o individualismo nas ações das pessoas, inclusive dos jovens.

Parece que algo deu errado ao longo das décadas. Se antes “ser jovem” significava ser rebelde, lutar por algo novo; atualmente “ser jovem” tornou-se “ser normal” de acordo com o discurso hegemônico capitalista.

Parece existir, em todas as idades, alguma coisa próxima do “cada um por si”, associada, claro, ao tédio, ao cinismo e ao niilismo.

Alguém poderia dizer equivocadamente que os movimentos liderados pelos jovens nas décadas de 1960 e 1970 não obtiveram resultados.

Mesmo se essa hipótese fosse correta, ainda assim, poderia se afirmar em favor daqueles jovens que, pelo menos, eles tentaram e arriscaram. Eles, de alguma maneira, fizeram o que era esperado da juventude: questionaram a ordem estabelecida, o “status quo”. Tentaram ser diferentes (tanto com ideias como com atitudes) dos velhos, das antigas gerações.

© profelipe ™ 18-05-2015

 

ÁLCOOL E CRISE

Em momentos de crise econômica, é comum ocorrer um aumento no consumo de álcool no país. Isso aconteceu tanto na Holanda como na Espanha na crise de 2008.* No “bunker” do Hitler, no final da Segunda Guerra Mundial, funcionárias e militares apelaram para o álcool e a orgia quando perceberam que tudo estaria perdido.**

O álcool serve para diminuir a tensão, mas é utilizado principalmente como um meio de fugir da realidade – seja no presente ou mesmo no que diz respeito a algum trauma no passado ou a uma insegurança quanto ao futuro.

A estratégia seria beber para esquecer. No final, não funciona (a maioria sabe disto), mas mesmo assim, diante de uma situação complicada, parece ser uma alternativa razoável.

O álcool é socialmente aceito. Talvez seja isso.

Muitos não aceitam doenças como depressão ou ansiedade. Quando as crises aparecem, bebem bastante para disfarçar os problemas que não admitem ter. Em outras palavras, seria mais fácil admitir que foi para uma “rehab” do que assumir que teria ido para uma clínica com o objetivo de tratar de uma depressão.

Cada um pode inventar a fantasia que quiser para fugir de um problema real. Existem momentos, porém, que fica difícil não ver o óbvio.

De acordo com o IBGE, existem quase oito milhões de desempregados no país.*** A renda do brasileiro caiu bastante. 

Empresas fecham e milhares perdem os empregos. Tudo isso é uma realidade.

 Tony Dokoupil acredita que a sociedade pode agravar a situação de cada indivíduo, inclusive aumentando o número de suicídios:

“Os sociólogos (em geral) acreditam que quando a sociedade rouba das pessoas o autocontrole, a dignidade individual ou uma conexão com algo maior, as taxas de suicídio aumentam.”****

O que preocupa ainda mais é que essas taxas aumentam a cada ano e dizem respeito a um público específico: as pessoas de meia-idade, ou seja, aquelas estariam entre os 45 e 64 anos.

Nas décadas de 1970 e 1980, a preocupação era com o número de suicídios entre os adolescentes. No novo milênio, isso mudou.

A constante inovação tecnológica (a partir da invenção do computador pessoal em 1976 e a expansão da internet após 1995) tornou o indivíduo cada vez mais descartável diante das novas máquinas. Veio o tal do desemprego estrutural, ou seja, o trabalhador perdia, além do emprego, a sua profissão.

As mudanças foram ruins para a maioria, claro, mas pioraram bastante para aqueles com mais de 40 anos, afinal, de acordo com a ideologia capitalista, ainda existe o elogio do jovem na produção:
 
“Nos Estados Unidos, na última década, a taxa de suicídio diminuiu entre os adolescentes e as pessoas com seus 20 anos, e também foi baixo ou estável para os idosos. Quase todo o aumento foi (,,,) impulsionado com as mudanças em um único grupo de pessoas, um grupo demográfico que antes tinha uma vida feliz: os homens e as mulheres de 45 a 64 anos, essencialmente os ‘baby boomers’ e os seus pares internacionais no mundo desenvolvido.”****

Em outras palavras, trata-se de um grupo de pessoas brancas, de meia-idade. Elas estudaram e trabalharam. Tinham uma vida bastante confortável. Acreditaram na ideologia capitalista – se estudassem, fossem qualificadas, teriam sucesso na carreira e na vida pessoal – e foram descartadas por esse mesmo sistema (após as últimas mudanças na produção).


(*) Cilene Pereira e Fabíola Perez. A crise mexe com a cabeça do brasileiro. Isto É, 24 de Abril de 2015. http://www.istoe.com.br/reportagens/415311_A+CRISE+MEXE+COM+A+CABECA+DO+BRASILEIRO
(**) Ver o filme “A Queda”.
(***) Jornal Nacional em 07-05-2015.
(****) Tony Dokoupil. The suicide epidemic. Newsweek, May, 22, 2013. http://www.newsweek.com/2013/05/22/why-suicide-has-become-epidemic-and-what-we-can-do-help-237434.html