segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Loucuras e Excessos

A filha reclama que o pai só a chama para ver televisão quando existe algo educativo. Ela afirma que sabe do passado de loucuras e excessos do pai.
A menina, de fato, já é modelo, fuma bastante e adora beber com os amigos. O nome dela é Atlanta de Cadenet Taylor. O pai é o John Taylor do Duran Duran.
A garota está certa quanto ao passado do pai, principalmente na época em que ele esteve envolvido no projeto do Power Station. A pergunta que aparece, então, é: por que parar a diversão?
Não quero dizer com isso que a diversão seria definida só com os tais “excessos da juventude” (paquerar, dançar, beber e assim por diante).
Mas, por outro lado, como alguém que se orgulhava de tais “loucuras” pode tornar-se (sobretudo com os filhos) uma pessoa “careta” que odeia qualquer forma de sorriso ou de brincadeira?
Existem (obviamente) as mudanças (casamentos, divórcios...). Contudo, até que ponto tudo precisa caminhar para uma postura conservadora e repressora?

 © profelipe ™

sábado, 27 de fevereiro de 2016

2016 & 1917

Não é necessário ser um especialista para perceber que existe uma crise no país. Dados oficiais e notícias confirmam tal realidade. Em janeiro, por exemplo, com informações do Ministério do Trabalho, o G1 anunciava:
“Em 2015, país fecha 1,54 milhão de vagas formais, pior taxa em 24 anos.”*
Em fevereiro, foi revelado “o fechamento de 95,4 mil lojas com vínculo empregatício no ano passado.”**
Se, por um lado, existem problemas pontuais que dizem respeito ao governo brasileiro, por outro, deve ser considerada a existência de uma crise maior, que estaria relacionada às transformações do mundo do trabalho.
“Os anos 1960 e 1970 foram um marco da disciplina ‘história social’, definida como o estudo das classes, dos movimentos e dos conflitos sociais. (...) A [Primeira] Grande Guerra foi um momento de reorganização maciça de trabalho industrial, e muitos historiadores analisaram a guerra como um momento dialético. Os temas (de muitas pesquisas) estavam relacionados à militância industrial, às greves, ao pacifismo, e, finalmente, ao novo mundo do trabalho - definido pelas revoluções russas de 1917.”
Ou seja, o “novo mundo do trabalho”, em 1917, era definido a partir do vitorioso movimento revolucionário russo, numa perspectiva marxista de conflito de classes sociais, que colocava a greve como uma das principais estratégias de luta (do ponto de vista do trabalhador).
A questão central é que o mundo de 2016 não é o mesmo de 1917. As inovações tecnológicas mudaram bastante a produção. O consumismo foi cada vez mais incentivado. Para piorar, houve a queda do muro de Berlim e o fim do comunismo real dos países do leste europeu, o que passava, ideologicamente, a mensagem de fim da história e de vitória do capitalismo.
Em 2016, poucos acreditam numa revolução (nos moldes do modelo russo de 1917) como a solução de todos os problemas. Os capitalistas utilizavam (e ainda usam) as recentes transformações tecnológicas para demitir milhares de trabalhadores. Foi criado o conceito de desemprego estrutural, quando o trabalhador, além do emprego, perdia também a profissão. A máquina estaria tomando o lugar do trabalhador na produção.
Os líderes dos trabalhadores não souberam criar novas estratégias de lutas contra os capitalistas. Em 2016, a greve continua a ser a principal estratégia de luta do trabalhador como em 1917 ou mesmo no século XIX. 5.000 trabalhadores (ou mais) são demitidos numa única empresa e nada acontece. Ocorre uma maior concentração de capital nas mãos de uma minoria e nada acontece. Seria como se os capitalistas estivessem vivendo de acordo com os projetos de 2016 e, do outro lado, os líderes dos trabalhadores estivessem vivendo com um imaginário e ideias de 1917.
O pior é que, para a maioria, o que acontece hoje, claro, ainda deve durar por muito tempo.
© profelipe ™
(*) Alexandro Martello.Em 2015, país fecha 1,54 milhão de vagas formais, pior taxa em 24 anos. G1, 21/01/2016. http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/em-2015-pais-fecha-154-milhao-de-vagas-formais.html
(**) Daniela Amorim, Crise econômica acabou com cem mil lojas no ano passado. Estado de São Paulo, 13/02/2016. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-economica-acabou-com-100-mil-lojas-no-ano-passado,10000016115
(***) Jay Winter. Historiography 1918-Today. 1914-1918. International Encyclopedia of First World War. http://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/historiography_1918-today

Traição¹²³

No final, a pergunta que fica é: o que você fez na vida? Isso não tem nada a ver com ter construído fortunas ou ter dirigido impérios.
Afinal, a pergunta foi sobre “o que fez” e não sobre o que conseguiu em termos de bens materiais ou de poder.
No final, será você e a sua consciência. Não dá para fugir de si mesmo. “Eu não sabia” não servirá de desculpa. A alienação foi uma escolha. Fingir que não via a desigualdade de nada adiantará.
Ao longo da vida, você esteve do lado de quem? Você esteve do lado dos traidores por causa de “30 dinheiros”?
Você traiu a pessoa que sinceramente te ajudou , quando ninguém, naquele momento, foi capaz de tomar uma atitude (na prática). No fundo, você sabia que aquela era uma pessoa boa. Mesmo assim, a traição foi a sua escolha.
Quando teve algum poder de decisão sobre o destino de outra pessoa, você sempre preferiu humilhá-la e colocá-la para baixo. Por quê? Porque você podia. Ajudar, pensar no outro, na sua perspectiva, não faria qualquer sentido.
“O cuidado de si” (em você) tornou-se “a traição de si”. Você não se reconhece quando olha no espelho. As plásticas, os truques e as roupas “de marca” estão lá, mas você não aparece. Nem você foi poupada no projeto de trair tudo e todos.
No final, “naquilo que não é material”, você, como qualquer um, estará sem companhia alguma. Só restará você e o que você foi nesta vida.
© profelipe ™

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Baladas

Chega uma hora que a pessoa deixa de sair para as tais baladas. Isso ocorre após um longo namoro ou durante o casamento. Quanto mais o tempo passa, mais distante fica aquele mundo que seria sinônimo de diversão.
Ficar em casa é bom. É previsível. Parece seguro.
O problema pode acontecer com a chegada da (quase inevitável) rotina.
O clima seria propício para isso, afinal, os temas podem mudar, mas as opiniões serão sempre as mesmas (um sabe quase tudo sobre o outro).

Para evitar o tédio, sempre existe a velha tentativa de fazer algo diferente. A questão é que, mesmo estando em um ambiente com as mais novas tecnologias – celulares, “tablets”, computadores e TVs -, a conclusão da conversa acaba sendo pedir pizza e ver um filme.
O incômodo permanece ao imaginar que o solteiro diverte-se mais. Pode não ser verdade, mas avaliar a própria situação, num momento de crise, a partir do que seria a vida do outro significa cair numa armadilhar quando um castelo de cartas parece ser, de fato, uma verdadeira fortaleza.
© profelipe ™

Dostoyevsky²

“The world has proclaimed the reign of freedom, especially of late, but what do we see in this freedom of theirs? Nothing but slavery and self-destruction! For the world says: ‘You have desires and so satisfy them, for you have the same right as the most rich and powerful. Don't be afraid of satisfying them, and even multiply your desires.’ This is the modern doctrine of the world. In that they see freedom. And what follows from this right of multiplication of desires? In the rich, is isolation and spiritual suicide; in the poor, envy and murder.”
Fyodor Dostoyevsky, The Brothers Karamazov. In.: Charles Guignon (ed.), The Good Life. Indianopolis: Hackett, 1999, p. 127.

Básico (Dostoyevsky)

No século XIX, as contradições do capitalismo já eram analisadas e criticadas, afinal, no lugar do “reino da liberdade”, o que se via era “escravidão e autodestruição.”* No caso de Dostoyevsky, parece que ele tocava no ponto central do debate: o elogio ao desejo:
“O mundo diz: 'Você tem desejos e deve satisfazê-los, pois você tem o mesmo direito que os mais ricos e poderosos. Não tenha medo de satisfazê-los, e até mesmo multiplicar seus desejos.’ Esta é a doutrina moderna do mundo. Nisto eles vêem liberdade.”*
Um indivíduo mais egoísta, imediatista, cínico e superficial seria uma das consequências do princípio do elogio ao desejo como objetivo fundamental para o ser humano.
Entretanto, seria importante destacar que os indivíduos não seriam afetados da mesma maneira por causa desta “multiplicação de desejos”:
“No rico, aparecem o isolamento e o suicídio espiritual; nos pobres, a inveja e o assassinato.”*
Em todos, certamente, surge o sentimento de vazio - que a satisfação dos desejos imediatos e individuais não consegue preencher.
O que foi dito no século XIX vale ainda hoje. O niilismo** atual não deveria causar surpresa.

© profelipe ™

(*) Fyodor Dostoyevsky, The Brothers Karamazov (p. 127).
(**) Charles Guignon, The Good Life, p. 103.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Carolzinha do Funk

Escrevi sobre a minha experiência num show de funk da Tati Zaqui. Estava tentando entender o estilo funk aqui no país, apesar de ter escrito mais sobre a cantora.*

Jovens bonitas e “modernas” sempre chamam a atenção (“cabelo azul, tatuagem, piercing e bissexualidade”), tanto que a Tati Zaqui foi capa da Playboy de julho de 2015.

A aceitação deste tipo de beleza (reconhecida e elogiada numa revista de circulação nacional) pode esconder algo complicado: o elogio da violência que aparece associada a este tipo de música. Isso, porém, não significa que todos os fãs concordem com essa premissa. Para a maioria, o que interessa é a música. No entanto, não há como negar que existem mensagens implícitas que podem influenciar o comportamento dos mais jovens.

Aqui começa uma segunda parte sobre tal debate: a morte da Carolzinha do funk,** que usava a internet para reafirmar a sua imagem de poder. De acordo com o jornal O Tempo, ela chegou a escrever no seu perfil do Facebook:

“Meu jeito n@o muda è apenas uma maneira de dizer que chefe è chefe nè”***

Carolzinha foi morta num conflito com a polícia. Ela era uma garota de 19 anos (cabelos vermelhos), várias tatuagens, que cometia assassinatos desde os 15 anos e era famosa em Betim por ser uma das líderes do tráfico de drogas na região. Ainda na análise do jornal O Tempo, ela:

“Sempre cercada de amigos e namoradas, (...) gostava de ostentar em fotos de festas e viagens.”***

Na matéria do jornal, aparecem fotos da Carolzinha (uma do facebook e outra quando ela tinha sido presa).

Claro que a intenção do jornal era informar e, no fundo, passar a mensagem de que esse tipo de comportamento acaba mal para o indivíduo.

O problema é que, indiretamente, valores associados (e elogiados) deste estilo de vida seriam reafirmados na matéria: beleza, juventude, bissexualidade, amizades, poder e ostentação.

Essas características e o sucesso de cantores e cantoras do funk podem passar a ideia, para os mais jovens e inexperientes, de que esse seria o caminho para quem deseja ser popular e aceito por todos.

De fato, trata-se de um truque em que os meios de comunicação, com intuito de criticar, acabam revelando como positivas
características que, na prática, servem como iscas para os jovens que procuram respostas imediatas e superficiais para um cotidiano cada vez mais sem sentido – não existe emprego e está desacreditada a ideologia de que estudar bastante seria a garantia de um futuro feliz.

© profelipe ™

(*) http://flertar.blogspot.com.br/2015/12/tati-zaqui.html
(**) http://www.otempo.com.br/o-tempo-betim/fim-da-linha-para-carolzinha-do-funk-1.1226850
(***) http://www.otempo.com.br/cidades/aos-15-anos-carolzinha-j%C3%A1-era-considerada-matadora-do-tr%C3%A1fico-1.1225801

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Ambivalência do Ser

A consciência do homem pode ser vista como algo bom ou ruim. Ele tem consciência do mundo e possui a capacidade de compreender e refletir, mas é limitado em sua própria condição humana. A dor é real. Sabe que existe para a morte e, ao mesmo tempo, não pode fazer coisa alguma quanto a isso. Simone de Beauvoir cita Montaigne e faz uma leitura um pouco diferente deste processo:

“’O trabalho contínuo de nossa vida’, diz Montaigne, ‘é a construção da morte.’ O homem sabe e pensa sobre essa ambivalência trágica que o animal e a planta meramente sofrem. Um novo paradoxo é assim introduzido ao seu destino. ‘Animal racional’, (...) ele escapa de sua condição natural, sem, no entanto, libertar-se.”*

Em outras palavras, o homem continua com suas limitações. Ele pode criar coisas, compreender e interpretar as relações, estabelecer diferentes formas de comunicação, mas nada disto o impede de sofrer.

“A cada momento, ele pode compreender a verdade não-temporal de sua existência. Mas entre o passado que já não existe mais e o futuro que ainda não é, neste momento a existência do homem não significa coisa alguma. É o nada. Este privilégio, que só ele possui, de ser um sujeito soberano e único em meio a um universo de objetos, é o que ele compartilha com todos os seus semelhantes. Por sua vez (...), ele não é nada mais do que o indivíduo na coletividade em que ele depende.”*

No entanto, tal privilégio não o impede de sofrer. Depender de uma coletividade não o impede de sofrer. Muito pelo contrário. Talvez seja necessário problematizar além da ambiguidade da ética pensada por Simone de Beauvoir.

As regras da coletividade (civilização) chocam-se com os instintos naturais do homem. Esse conflito produz dor no indivíduo. A consciência de “existir para morrer” gera angústia na maioria. A lógica parece uma invenção cujo único objetivo seria dar algum alívio para a existência e para uma vida sem sentido.

Tal negativismo em nada tem a ver com a teoria de Simone de Beauvoir. Contudo, pode dizer muito coisa sobre a realidade deste planeta.

© profelipe ™

(*) Simone de Beauvoir. The ethics of ambiguity. In.: Charles Guignon, The Good Life, p. 262. 

Em inglês:
 “’The continuous work of our life’, says Montaigne, ‘is to build death’. Man knows and thinks this tragic ambivalence which the animal and the plant merely undergo. A new paradox is thereby introduced into his destiny. ‘Rational animal’, ‘thinking reed’, he escapes from his natural condition without, however, freeing himself. He is part of the world of which he is a consciousness. (…) At every moment when he can grasp the non-temporal truth of his existence. But between the past which no longer is and the future which is not yet, this moment when he exists is nothing. This privilege , which he alone possesses, of being a sovereign and unique subject amidst a universe of objects, is what he shares with all his fellow-men. In turn an object for others, he is nothing more than the individual in the collectivity on which he depends.”