quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sorria¹²



As promessas tradicionais das profissões não funcionam mais após a última revolução tecnológica. As pessoas não acreditam mais no velho planejamento de estudar bastante e ter como consequência um bom trabalho numa empresa na qual teria acesso às promoções de acordo com os cursos de qualificação e o aumento da produtividade.
Esse mundo não existe mais. Muitas pessoas, neste contexto, apelam para os concursos e acreditam que a aprovação significaria um bom salário e, principalmente, a estabilidade no emprego e até uma boa aposentadoria no futuro. Elas esquecem, porém, da crise de 2008. Na Grécia, houve demissões e diminuições de salários (inclusive dos funcionários públicos). Para cumprir as metas impostas pela crise, os governantes reduziram os valores das aposentadorias. Ou seja, tudo que antes parecia certo e estável, obviamente, desapareceu. Houve cortes importantes e mudanças nas leis quanto aos salários e aos empregos em outros países europeus. A desconfiança tornou-se a norma no continente (sobretudo do lado ocidental).
Não existem empregos para todos. Isso é um problema numa sociedade em que as pessoas eram formadas em função do mundo do trabalho. O mais grave é que sem ter um emprego, claro, o indivíduo carrega em si uma culpa. Acredita que é um problema só dele (quando trata-se de um crise estrutural).
A culpa foi produzida pela ideologia da sociedade do trabalho. Ela traz consequências negativas como aumento da agressividade, da negatividade e da criminalidade. É criado um clima de caos quando a sensação é de que não existe ordem. A desordem reina em todos os lugares. Todos sentem-se desprotegidos e agredidos no cotidiano. Não existe mais confiança no Estado porque ele não cumpre o que promete e até as leis que antes eram consideradas “sagradas” (quanto aos salários ou às aposentadorias) são alteradas de acordo com “os interesses do mercado”.
A mudança é global. O mal estar é geral. Existem países em piores situações. Existem propostas simplistas – como as leis contra os imigrantes na Europa – que beiram ao fascismo. Existem ditaduras de todos os tipos. A intolerância e o egoísmo tornaram-se hegemônicos (como se, de fato, representassem verdadeiras soluções para os problemas sociais).
Esse sentimento geral é vivido também no Brasil. Apesar do otimismo dos brasileiros, todos percebem que houve alterações (no sentido negativo) nas coisas mais simples do cotidiano. As pessoas parecem mais ansiosas, mais apressadas e mais agressivas. As reações, muitas vezes, são desproporcionais – desentendimentos que seriam resolvidos com um pedido de desculpas acabam gerando brigas violentas e até mortes (os motivos, na maioria dos casos, são bem banais).
É como se existisse uma revolta particular (e até silenciosa) contra o mundo como ele se apresenta hoje em dia. A maioria parece sentir-se traída e enganada. A reação acontece. Não contra os poderosos ou contra a pequena minoria que acumula a maior parte da riqueza. A reação vem generalizada, desorganizada, contra si e contra todos.
Tudo isso pode parecer um exagero. Basta, porém, ler os jornais, utilizar os transportes públicos, frequentar os bares, os clubes e as praias. Em todos os lugares, em todos os momentos, podemos ver cenas chocantes e desagradáveis de injustiças. O pior é que também corremos o risco de fazer parte destas cenas.
É lamentável. É difícil compreender tudo o que ocorre. É péssima a sensação de que as coisas ainda vão piorar.
Viver não é fácil. A questão é como lidar com tudo isso de uma maneira saudável (e ética).

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