quarta-feira, 4 de julho de 2012

TRADUTOR

O Caetano Veloso, em uma de suas músicas, diz que só seria possível filosofar em alemão. Essa idéia, se eu não me engano, era defendida originalmente por Martin Heidegger.

Eu fiz o curso básico de alemão, na época que fazia faculdade. Fui na Alemanha três vezes e, especialmente em Berlim, não era fácil encontrar alguém que falasse em inglês. Assim, não havia alternativa a não ser utilizar a língua original. Fiz isso. Contudo, não significa que eu fale alemão. É difícil encontrar algum brasileiro que realmente fale essa língua. O Jô Soares, que estudou na Suíça e diz que fala alemão, na hora que foi entrevistar o Beckbauer, "preferiu" que a entrevista fosse em inglês.


Eu não sou tradutor, nem de inglês nem de alemão.Também não sou daqueles que odeiam tecnologia e rejeitam as suas facilidades. Eu sei que cada vez fica mais fácil traduzir um texto "automaticamente" de uma língua para outra, mesmo considerando que a tradução não seja lá essas coisas. Não sou do tipo implicante que acredita que você só pode ler um texto na língua em que ele foi escrito.


Assim, quando posso, leio o original, mas não me importo em ler também as traduções. Naturalmente, algumas vezes eu comparo os textos e aqui realmente surge um problema: assim como nos filmes, algumas vezes, o que é traduzido não representa o original. Trata-se da imaginação do tradutor.


Posso dar um exemplo: o texto "Fausto" de Goethe - Original: Faust: Eine Tragödie, Wien, Tosa Verlag, 2003, p. 14 e Tradução: Alberto Maximiliano, São Paulo, Nova Cultural, 2003, p. 19. Numa das falas da personagem "Lustige Person", é dito:

"Wenn mit Gewalt an deinen Hals / Sich allerliebste Mädchen hängen." 

Isto é traduzido por: "Ou quando em teu pescoço apóiam-se amorosas / As jovens que tanto gostas." 

Apesar da tradução do "se" (wenn) por "ou", o sentido original da frase permanece.


Agora em seguida aparece trecho:

"Wenn nach dem heft'gen Wirbeltanz

Die Nächte schmausend man vertrinket,

Doch ins bekannte Saintenspiel

Mit Mut und Anmut einzugreifen,

Nach einem selbstgesteckten Ziel

Mit holdem Irren hinzuschweifen."



A "tradução" do trecho para o português:

"Ou se ficas em danças loucas, violentas,

Toda noite a comer e beber em alegria,

Entregue a orgia.

Hoje, a música de outrora podes lembrar,

Fazê-la ressoar com vigor, sem parar

Para um fim almejado

Por suas atalhos alcançados."



Como seria possível tal "liberdade" do tradutor? 

Não digo apenas no sentido das palavras, mas no contexto das frase e de todo o parágrafo. 

Onde o tradutor foi encontrar, por exemplo, no texto original, a frase: "toda noite a comer e beber em alegria, entregue a orgia." (?!)



Imagino que esta não deve ser uma profissão fácil, sobretudo, se for levado em consideração o ponto de vista da consciência do próprio profissional, claro. 

Afinal, a maioria lê pouco e praticamente apenas as traduções, sem se preocupar, muitas vezes, com o sentido do texto... 

Imagino se este tipo de leitor questionaria se o autor alemão queria realmente dizer aquilo...



De qualquer maneira, quando você resolve pesquisar um pouco mais, questionar, acaba descobrindo ou lidando com tais dúvidas ou polêmicas. Isso não é ruim. 

Como em quase tudo, saber mais é sempre útil, na medida em que ajuda o indivíduo a ver melhor a realidade das coisas e das pessoas, podendo, assim, separar as cópias superficiais dos originais.

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