quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

DESEJO DE MORTE

A automutilação atual pode ser comparada a histeria no século XIX. Antes de Freud, normalmente os histéricos, assim como outros que não se encaixavam nos padrões de "normalidade", eram encaminhados aos hospícios.
Hoje, essas pessoas criam grupos e comunidades para trocar experiências. Muitas participam de clubes sadomasoquistas (SM). Outras divulgam as fotos dos seus cortes na Internet, sobretudo no Tumblr.
O que leva uma pessoa a se cortar? Inconscientemente, com a dor física, ela quer aliviar um dor emocional. Ela deseja esquecer algum trauma ou algo que a incomode, mesmo que ela não deseje pensar e analisar o assunto.
Assim como os adeptos do SM, a maioria recusa o processo psicanalítico. A intenção é esquecer e, se fosse possível, apagar da memória algo que aconteceu e que não foi bom.
Existe uma crise de identidade, na medida em que o indivíduo "ataca" fisicamente o próprio corpo. Existiria algo no seu corpo que seria "responsável" pela experiência traumática - por exemplo, uma mulher atraente que foi estuprada, pode desejar tornar-se gorda e fugir dos padrões de beleza da sociedade.
Cortar o próprio corpo significaria "cortar algo que incomoda". Todo indivíduo necessita de ser aceito pelos outros. Quando isso não acontece, principalmente com os mais próximos, como familiares e amigos, podem surgir problemas graves.
Em outro artigo, com o título de "Solidão", escrevi:
"rejeição causa dor mágoa. Os sentimentos negativos podem afetar o corpo da pessoa. Isso é conhecido desde o século XIX, quando  Jean Martin Charcot percebeu a dificuldade de tratar sintomas associados às mulheres histéricas. Na época, 'os neurologistas buscavam [explicá-los] com base em alguma causa orgânicasem sucesso. Faziam exames neurológicos e não encontravam nadanenhum indício de deficiência mental.' (Luiz T. O. Lima, Freud - Folha Explica,  p. 15) 
Aliás, foi a partir do trabalho com Charcot que Freud chegou ao método da psicanálise. Desabafar é bom. Falar ajuda. Portanto, muitos recorrem ao processo psicoterápico.
Existe um sentimento que incomoda tanto os solitários como aqueles que vivem rodeados de amigos e familiares. Trata-se do medo. Isso gera doenças. Mas... medo do quê? Medo de se conhecer? Medo do passado? Medo do futuro? Medo da morte? Medo da rejeição? Enfim, medo da solidão?
Identificar o medo não resolve o problema. É necessário conhecer a causa e isso só é possível recorrendo ao próprio passado do indivíduo. Não lembrar do que acontece e não lembrar dos sonhos podem ser um sinal de fuga, de medo. A alienação complica o processo, causando a falta de apetite e a insônia, e o resultado pode tornar-se algo mais grave e levar, por exemplo, a um ataque do coração."
De certa forma, tudo o que foi dito ajuda a compreender o processo de automutilação. Trata-se da dor física, a mesma que é a base do relação SM. No mundo ocidental, a dor é negativa e é tratada em hospitais, lugares tristes, que reforçam a fragilidade e a insegurança dos pacientes. Parece que dali, o próximo passo seria a morte, outra coisa extremamente negativa.
Os adeptos da auto-mutilação e do SM possuem outra concepção da dorFreud, em uma entrevista em 1930, tratou da
"(...) negação da vida. Esse desejo explica porque alguns homens gostam da dor - ela representa um passo em direção à morte! O desejo de morte explica por que todos os homens procuram o descanso eterno..." (A Arte da Entrevista, p. 96)
Assim, não é incorreto associar a automutilação e o SM ao debate do suicídio. Todos dizem respeito a algo na condição humana que muitos evitam pensar: a autodestruição e, com ela, o desejo de morte.

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